sexta-feira, 22 de abril de 2011

2009 - A derrota do samba-enredo


O ano de 2009 foi um dos mais fracos do carnaval carioca no quesito samba-enredo, com várias composições chatas, sem graça, apenas funcionais. Mas quem acompanhou as eliminatórias do grupo Especial sabe que não precisava ser assim. Aliás, a safra de 2009 poderia ter sido histórica se certos sambas fossem escolhidos. Verdadeiras antologias acabaram sendo jogadas fora, sem dó nem piedade daqueles que ainda acreditam que o carnaval não se tornará algo puramente comercial e espetacularizado. Três agremiações poderiam ter feito a diferença em 2009. E até mais, já que mesmo hoje em dia os seus sambas eliminados são mais comentados e lembrados do que os que foram pra Avenida.

A primeira delas é a Beija-Flor, vice-campeã de 2009 com seu pior samba na década. Com um enredo confuso sobre o banho, a escola havia recomendado aos compositores que o samba deveria ser leve, compacto e fácil. A parceria de Cláudio Russo de cara chamou a atenção por fugir completamente do estilo tradicional da escola e das composições produzidas pela própria parceria. E ainda assim, com uma bonita letra e melodia expressiva, parecia estar adequada ao que a direção da escola havia proposto. Ganhou logo uma grande torcida e muitos acreditavam ser o samba ideal para a renovação estilística que a Beija-Flor prometera. No entanto, na final o vencedor acabou sendo o samba da parceria de Tom Tom, cujo samba além de seguir os mesmos padrões de sempre da escola, pesado e longo, tinha vários problemas na letra e uma melodia pouco expressiva. Confira o samba da parceria de Cláudio Russo:



Enredo: No chuveiro da alegria, quem banha o corpo lava a alma na folia
Compositores: Claudio Russo, J. Veloso, Leleco, Carlinhos do Detran e Marquinhos

O banho é manifestação
Liberdade...
Dos pingos à imaginação
Lavando a alma da humanidade
Na pele morena o leite de cabra
Deleite e o cheiro de flor
Rainha do Egito eu sou o seu faraó
Beija-Flor...

Eu vou mergulhar nessa magia
Em Roma buscar o seu pecado
De emoção dá um banho bateria
Proibição não quero não, tá liberado


Renasce o perfume no ar
É banho de cheiro
Eu vou libertar o corpo dos trapos
O peito do meu preconceito
E me purificar
Ó mãe, o seu ventre banhou o meu ser de amor
O mais saudável coração
Do mar ao chuveiro é divino
Se for pra amar sou seu felino
Deixe a água rolar

Ô yaô
Na cachoeira eu vou me banhar
No ariaxé peregun e aroeira
A Beija-Flor nas águas de Oxalá


A Mocidade Independente foi outra agremiação que decepcionou. Não que o samba escolhido seja ruim, pelo contrário, mas o melancólico desfile da escola poderia ter tido uma trilha melhor e até sido mais empolgante se o samba fosse outro. O destaque da disputa desde o início era a composição de Igor Leal e cia. Um samba emocionante, dado como vencedor certo. No entanto a parceria vencedora foi a de Jefinho e cia., que tinha um samba bonito mas sem o mesmo brilho do de Igor. Sem motivos aparentes para a escolha, a Mocidade perdeu a oportunidade de desfilar com um de seus melhores sambas. Veja abaixo a obra, hoje conhecida como "Samba Verde e Branco":



Enredo: Mocidade apresenta: Clube Literário Machado de Assis e Guimarães Rosa, estrelas em poesia!
Compositores: Igor Leal, Diego Nicolau, Iuri Abs, Arlindinho Neto e Gustavo Henrique

Hoje as estrelas do céu
Vêm à Padre Miguel iluminar a poesia
Regendo a ópera, em fantasia
Pra recitar a vida de um escritor
Que o destino abençoou
Na prosa do "mestre aprendiz"
Em versos, Machado de Assis
Criou lindas obras imortais
Cronista e literato, encantou
E no "sarau" deixou o seu legado de amor

Quando o gênio adormeceu
"Rosa" dos ventos nasceu
É mais uma luz pra eternidade
Na voz da minha Mocidade


No compasso, à leitura se entregou
Foi entre contos e romances
Das letras, amante
Palavras que o tempo não levou
Até a lua sua alma clareou
Sertão brasileiro, caboclo, vaqueiro
Fez da igualdade o seu ideal
A fé do seu povo em romaria
Na esperança, a "santa" oração
Samba verde e branco
"Guarda" a sabedoria dos mestres da academia
Samba, verde e branco!
Ao som dessa bateria, reluz a minha estrela-guia

Brilha, Mocidade! Estrela do carnaval
Na passarela, o meu amor "imortal"
É ela, eterna guerreira
A exaltar a poesia brasileira


Nenhuma disputa gerou tanta frustração como a do Salgueiro. A escola foi campeã muito merecidamente, mas é impossivel deixar de imaginar que poderia ter levado pra Sapucaí aquele que seria um dos melhores da história da escola. Seria não, é. Porque é o samba eliminado mais lembrado pelos que acompanham carnaval e certamente não será esquecido tão cedo. Composto por Edgar Filho e parceiros, sua derrota pode ser justificada pelo fato de fugir completamente dos moldes adotados pelo Salgueiro pós-Ita. Seria difícil para Quinho cantá-lo, já que é bastante pesado. Mas a parceria merece todos os aplausos por tentarem inovar no gênero e fornecer ao Salgueiro um samba-enredo de verdade. Mesmo não indo pra Avenida, "Menina, quem foi teu mestre?" está na história do carnaval.



Enredo: Tambor
Compositores: Edgar Filho, Simas, Beto Mussa, Gari Sorriso e Bené do Salgueiro

Canto uma herança
Da humanidade primordial
De árvores tombadas um tom grave
Deu a cadência original
A idéia de um gênio anônimo
Meu ancestral
Caçador que na mata uma fera enfrentou
Quando sua vitória quis anunciar
Pôs o couro esticado, bateu, repicou
Ôô ôô, ôô ôô

Festa na aldeia,
Lua cheia, um clarão
Tem batuque a noite inteira
É magia, adoração


De ocidente a oriente
Em diferentes formas se multiplicou

Qual é o povo
Que não bate o seu tambor


Quem cruzou o mar
Encontrou um som guerreiro
E desde então o baticum não quer parar
Zambê, zabumba, ilu-abá
Angoma, tumba, candongueiro
Batá-cotô no meu terreiro
Põe na roda o tambozeiro
O Brasil nasceu de mim
Inclusão, cidadania
Furiosa bateria
Coração que bate assim

Menina, quem foi teu mestre?
Um batuqueiro
Que arrastava
O povo do Salgueiro

3 comentários:

  1. Blz André, só assim ficamos por dentro dos bastidores do carnaval.

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  2. Oi André, cheguei no seu Blog hoje, e gostei de tudo, o layout é lindo e tudo muito bem realizado mesmo! Admirei o modo como vc tem gás e posta bem, mesmo fora do carnaval! Mas afinal pra gente que gosta de samba, todo dia é dia.

    Aqui entre nós eu não gosto muito deste samba do Salgueiro em 2009, mas reconheço que era melhor escrito com relação ao samba que foi pra avenida.

    Já o da Mocidade era meu favorito na época,
    e o da Beija-Flor era mesmo uma beleza de samba!

    Vou indicar vc lá no meu Blog: sonhodecarnaval.blogspot.com

    Abraço.

    William Oliveira

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