"O Arame é fogo!"
Antes que os tempos se eternizem pelas cunhas daquele barro, vê o homem fascinado, o raio que rasga o céu e incandesce a natureza. Mas é no embate das pedras e na dança dos gravetos, pelo desejo da evolução, que ilumina com destreza sua fuga da eterna escuridão. Destinado a sair das sombras, segue o homem seu destino, dissipando ventos frios, afastando o predador, sob os olhos do inimigo que também anseia por calor, na guerra do fogo protege seu abrigo, e dá a carne outro sabor.
Das fogueiras à luz da lua, corta a terra nua e crua, faz do estreito larga ponte e semeia a civilização. Entre os rios vira um guerreiro, que acende a ira da conquista, pelo domínio dos horizontes, em busca de outras fontes que enriqueçam a vastidão. Então o metal que se derrete faz a espada cortar o medo, faz a lança atravessar o ódio, e revela toda bravura que esculpe um coração.
Nas areias daquele vale onde os reis são para sempre, vem do fogo a magia que encanta a venenosa serpente, e rende o sacerdote ao deus sol, que derrama prosperidade, homenagem em oferendas, como forma de reverência, pela vida que se renova além da morte que lhe invade. São as labaredas de Amon que iluminam a eternidade.
Dizem que foi Prometeu, que transpondo um desafio, deu ao homem o fogo dos deuses contemplando a criação, que arde na Olímpia dos helenos como símbolo de competição. Mas se Hefesto é o deus do fogo, forja o bronze em proteção da honra do destemido Aquiles na vingança pela dor, onde flechas de fogo cortam os ares e o cavalo de madeira esconde o terror.
O império dos patrícios expande a força por todo o Lácio, e com a bênção de Vulcano lança bolas de fogo sobre a barbárie. Mas o imperador dos loucos na ambição de seu palácio, sob a chama da tirania e da maldade incendeia toda Roma, e culpa os cristãos pela atrocidade.
Mas os olhos fascinados do homem, que se encontram com o grande farol iluminando o mar e conduzindo as embarcações, também se espantam amedrontados com o fogo descontrolado: um mistério insolúvel faz Cleópatra chorar na cidade de Alexandre, onde se perdem os pergaminhos da sabedoria milenar.
Em terras africanas o fogo volta a reinar, na fogueira de Xangô pelo reino de Oyó, na roda do alujá. E ao toque dos atabaques, o vento traz a fúria de oyá, que lança raios, tempestades, cospe fogo, violenta como um búfalo comendo quente o amalá.
Som de violinos, batuques nos pandeiros, música pelo ar, frutas em torno da fogueira, cânticos ciganos a convidar. É festa no acampamento, muito vinho para comemorar, entre risos e galhofas, que vem lá do norte indiano pelo mundo a bailar.
Misturando ciência e misticismo, buscam os velhos alquimistas o elixir da longa vida. Sonhando em mudar o mundo com a existência artificial, transformando o ferro em ouro, pelo poder do misterioso fogo, descobrindo a magna pedra filosofal.
Quando as bruxas são descobertas, acusadas de maldição, são queimadas por feitiçaria na fogueira do Santo Ofício, em nome da purificação. Os medievos se escondem com receio da perseguição, vivem trancados, no pavor confinados, até que um dia os Templários, da Cruzada missionários, também ardem nas labaredas, acusados de traição.
O fogo da revolução queima tudo e transforma as leis, os canhões que antes ameaçavam o povo, agora voltam-se contra os reis. Cai a Bastilha pelas tochas da miséria, onde homens e mulheres lutam para viver, gritam por liberdade, fraternidade e igualdade, e a revoltam fazem arder.
Do imaginário do homem surgem serem fantásticos, personagens enigmáticos do folclore popular. Salta a mula sem-cabeça sobre o temível boitatá, e encontra nos festejos expressões da cada lugar. São vilarejos e "arraias" de bandeirinhas a tremular. O fogo que ilumina a noite, também conduz a procissão, assa o milho e a batata-doce da festa de São João.
Também é impossível não lembrar daquela rosa no Japão, tão bonita mas perigosa, que mudou o tom da prosa, ao queimar uma nação. É o fogo da discórdia, da guerra e da opressão, mas que ficou na memória do mundo inteiro como uma grande lição. O fogo é vida, é beleza, um dom da natureza que o homem precisa saber usar. São chamas de uma conquista que ajuda a humanidade a se transformar.
Eis que surgem os combatentes, heróis do nosso dia-a-dia, salvando vidas de incêndios, e renovando a esperança. São guerreiros da coragem que instiga a perseverança e desafia o perigo aos olhos da criança.
Mas o amor também é fogo que arde sem se ver, é ferida que não se sente na poesia de Camões, é como a paixão da Colombina envolvendo os corações. O fogo é nossa alegria, que no calor da fantasia, incendeia a avenida, e transforma em purpurina o carnaval das ilusões. O Arame é fogo!
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