segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sinopses 2011 - Império Serrano

"A Benção, Vinícius"

Vinícius começou falando através da poesia. Conhecido hoje como compositor popular, Vinícius de Morais, na década de 30, produziu alguns poemas que chamaram a atenção da crítica. Os seus primeiros livros - "Caminho parara Distância" e "Forma e Exegese" - são afogados em longos versos retóricos. Depois surgem as "Cinco Elegias", ele é idealista, é romântico e é simbolista. Em suas poesias mistura valores de uma mitologia clássica e pagã com um mitologia individual. A mulher é o grande tema da poesia de Vinícius.

No poema "A Legião dos Urias", surge uma confraria de cavaleiros sádicos, cuja função é sair à luz da "Lua" castrando as mulheres sob as ordens de uma "Grande Princesa". A imagem da lua pode ser ambiguamente positiva ou negativa. É a figura da "Grande-Mãe". Através dos tempos a imagem da mulher angustia o imaginário masculino, pois tem ligações com comportamentos míticos intemporais. Aqui a "Lua" é a imagem da mãe fálica, cruel e castradora. É como se Afrodite deixasse de ser a ninfa sedutora, para ser Afrodite guerreira que é chamada de "Andrófoba", que assassinava todos os amantes. Não há como não associar ao mito das "Valquirias" e das "Amazonas" às imagens daqueles "Cavaleiros Urias", que cumprem as ordens de uma grande princesa lunática. A palavra "amazona" é tida como de origem Armênia, significando "mulher da lua", pois as sacerdotisas da "Deusa-Mãe", consideravam a "Lua" como seu emblema.

Os "Cavaleiros" vem à meia-noite pelas montanhas, "pelos grotões enluarados sobre cavalos lívidos", seguindo co vento gelado. São os prisioneiros da "Lua" e servem à "Grande-Princesa", lançando "uivos tétricos" numa cavalgada fantástica, e "pingam sangue das partes amaldiçoadas".

No poema de Vinícius, essas figuras nefastas e castradoras do desejo aparecem "sobre cavalos lívidos que conhecem todos os caminhos". Pairando sobre tudo está brilhando o "rubro olhar implacável da Grande-Princesa", figura lunar, feminina, castradora, olhando impassível das alturas, enquanto eles como templários, oferecem sacrifícios a sua Ísis.

"A Legião dos Urias"

Quando a meia-noite surge nas estradas vertiginosas das montanhas

Uns após outros, beirando os grotões enluarados sobre cavalos lívidos

Passam olhos brilhantes de rostos invisíveis na noite

Que fixam o vento sem estremecimento.

São os prisioneiros da Lua. Às vezes, se a tempestade

Apaga no céu a languidez imóvel da grande princesa

Dizem os camponeses ouvir os uivos tétricos e distantes...

Mas um dia a grande princesa os fez enlouquecidos, e eles foram escurecendo...

E desde então nas noites claras eles aparecem

Sobre cavalos lívidos que conhecem todos os caminhos

E vão pelas fazendas arrancando o sexo das meninas e das mães sozinhas...

Depois amontoam a presa sangrenta sob a luz pálida da deusa

E acendem fogueiras brancas de onde se erguem chamas desconhecidas e fumos

Que vão ferir as narinas tremulas dos adolescentes adormecidos

Que acordam inquietos nas cidades sentindo náuseas e convulsões mornas.

Eles erguem cantos à grande princesa crispada no alto

E voltam silenciosos para as regiões selvagens onde vagam.

Volta a Legião dos Urias pelos caminhos enluarados

Uns após os outros, somente os olhos, negros sobre cavalos lívidos...

São eles que abrem os olhos inexperientes e inquietos

Das crianças apenas lançadas no regaço do mundo

Para o sangue misterioso esquecido em panos amontoados

Onde ainda brilha o rubro olhar implacável da grande princesa.

Não há anátema para a Legião dos Urias...

Oh, se a tempestade boiasse eternamente no céu trágico

Oh, se fossem apagados os raios da louca estéril

Oh, se o sangue pingado do desespero dos Cavaleiros Urias

Afogasse toda a região amaldiçoada!

Mas a Legião dos Urias está espiando a altura imóvel

Fechai as portas, fechai as janelas, fechai-vos meninas!

Eles virão, uns após os outros, os olhos brilhando no escuro

Fixando a Lua gelada sem estremecimento

Chegarão os Urias, beirando os grotões enluarados sobre cavalos lívidos

Quando a meia-noite surgir nas estradas vertiginosas das montanhas.

Marcus Vinícius da Cruz de Mello Morais nasceu no dia 19 de outubro de 1913, ainda menino mudou-se para a Ilha do Governador. Para Vinícius foi ótimo, ilha, praia, pescadores, ambiente com o qual Vinícius conviveu e que mais tarde aparecia com freqüência em sua temática. Se na ilha conhecia o que falar, em casa ia aprendendo como falar. O pai era amigo de Olavo Bilac, fazia poemas e arranhava o violão. Dona Lígia sua mãe tirava tangos no piano.

Em 1933 Vinícius obteve o diploma de Bacharel em Direito, mas só agüentou um mês de fórum, logo sucumbindo à atração do jogo de sinuca que havia por perto. A faculdade foi importante apenas pelos amigos. A vida intelectual e as poesias ele as ocultava de sua outra turma, a da pesada (cachaça, carnaval e pancada), que freqüentava em Copacabana. De repente tornou-se um "afamado autor": ganhou com o livro "Forma e Exegese" o prêmio "Filipe de Oliveira".

Com Paulinho Soledade, Fernando Lodo, Aracy de Almeida e Antonio Maria, juntos fundaram o "Clube das Chave" - cinqüenta sócios, todos com uma chavinha e um armário para guardarem as garrafas.

Em 1961, um rapaz magrinho tocou a campainha da casa do poeta e foi logo dizendo:

- Eu sou Carlos Lyra e queria mostrar uma música para você.

Lyra encontrou em Vinícius um tipo de sensibilidade especial para detectar a combinação perfeita entre melodia e poema. Desse encontro nasceram: "Coisa mais Linda", "A Primeira Namorada", "Nada como ter Amor", "Você e Eu", "Minha Namorada", "Maria Moita" e "Marcha da Quarta-feira de Cinzas".

O ano de 1961 ainda traria outro grande parceiro. O encontro se seu durante um show de Tom na Boite Arpege. Da parceria com Tom surgiram a "Sinfonia da Alvorada" uma obra composta a pedido do presidente JK para exaltar a cidade de Brasília, o musical "Orfeu da Conceição" e a música brasileira mais cantada no mundo inteiro "Garota de Ipanema", além de muito outros grandes sucessos.

Vinícius foi apresentado numa boite ao Banden, onde ele tocava guitarra elétrica. Baden nasceu na modesta cidade de Varre-e-Sai, norte do estado do Rio. Quando se mudou para o Rio, ainda menino, sua vida se passou ao pé do morro, no subúrbio de São Cristóvão, enquanto Vinícius circulava desenvolto pela zona sul. Baden virava noites no Cabaré Brasil, na Lapa, afogado no violão para sobreviver. Um dia Vinícius marcou um encontro, no terraço do Hotel Miramar, em Copacabana, onde tocaram juntos pela primeira vez. Daí surgiu uma grande parceria. Baden levou Vinícius ao mundo do samba de raiz africana. Na companhia de Baden, o poeta promoveu uma virada em sua carreira, entrou em cena o candomblé, amparado em orixás, magias e rituais. Entrou a música de capoeira, entraram os sambas de roda, os maneirismos de fundo de quintal. O produto dessa parceria foi: "Canto de amor e Paz", "Samba em Prelúdio", "Pra que Chorar", depois veio a série de sambas afros: "Berimbau", "Canto de Ossanha", "Canto de Xangô", "Canto de Yemanjá", "Bocoche" e "Lamento de Exu". Isso fora: "Consolação", "Samba da Benção", "Tempo Feliz", "Astronauta", "Apelo", "Tem Dó", etc.

Em 1968, Vinícius acabava de gravar um disco com Giuseppe Ungaretti e o cantot italiano Sergio Endrigo, porém faltava o alinhavo de um violão que amaciasse a aspereza das palavras. Surgiu o nome de Toquinho que foi indicado por Chico Buarque. Assim surgiu mais um parceiro. Foi de certo modo o Toquinho quem adotou Vinícius, foi um pai às avessas. Estranho pai, mais desorientador que orientador. Dessa parceria nasceu: "Tardes em Itapoã", "Como Dizia o Poetra...", "Na Tonga da Mironga do Kabuletê", "A Benção Bahia", "Mais um Adeus", "A Vez do Bonde", "O Grande Apelo", etc.

A relação do poeta com seus parceiros musicais foi norteada pela grandeza. Esteve sempre bem acompanhado. Mesmo quando só - pois Vinícius foi muitas vezes seu próprio parceiro. Compôs com Tom Jobim, Banden Powell, Carlos Lyra, Pixinguinha, Adoniram Barbosa, Ary Barroso, Edu Lobo, Antonio Maria, Chico Buarque e Toquinho. A lista é longa porque reúne imensa disparidade de temperamentos, estilos, classes sociais, humores, gerações. Mas o poetra foi farto e generoso o bastante para conviver com todos eles. Teve também muitos parceiros bissextos: Raimundo Fagner, Carlinhos Vergueiro, João Bosco, Vicente Barreto. Foi cirando parcerias ao longo da vida. Buscou em cada parceiro uma espécie de espelho, uma figura que o completasse, que caminhasse com ele.

Vinícius sempre soube deixar as gerações para trás quando as sentia envelhecidas. Sabia perseguir o tempo sem perder o passo. Quanto mais veloz era a vida, mais numerosos os parceiros, mais envolventes as mulheres, melhor a poesia. Essa multiplicidade emprestava ao poeta aquela imagem de que ele não acabaria nunca. Ele flutuava sobre a vida real, como um anjo gordinho.

Alexandre Colla

Músicas de Vinícius de Morais citadas no enredo:

1 - Samba da Benção

2 - Garota de Ipanema

3 - Tardes em Itapoã

4 - Se Todos Fossem Iguais a Você

5 - Gente Humilde

6 - Na Tonga da Mironga do Kabuletê

7 - Lamento de Exu

8 - Canto de Ossanha

9 - Roda de Hiroshima

10 - Flor da Noite

11 - Samba da Rosa

12 - As Cores de Abril

13 - Rancho das Flores

14 - Aquarela

15 - O Leão

16 - A Faca

17 - A Galinha de Angola

18 - O Pato e a Corujinha

19 - Viva o Amor

20 - Poema aos Olhos da Mulher Amada

21 - Um Amor em Cada Coração

22 - Marcha da Quarta-feira de Cinzas

23 - Serenata do Adeus

24 - Arrastão

Nenhum comentário:

Postar um comentário